sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Gérard Vergnaud - A Teoria dos Campos Conceituais

Todos perdem quando não usamos a pesquisa na prática.
O pesquisador francês, uma referência na didática de Matemática, diz que só conhecendo a forma como os alunos aprendem é possível ensinar.
No campo do ensino da Matemática, poucos nomes são tão respeitados quanto o de Gérard Vergnaud. Aos 75 anos de idade e depois de orientar mais de 80 teses de mestrado e doutorado, ele continua trabalhando como diretor emérito de estudos do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS, na sigla em francês), em Paris.

GÉRARD VERGNAUD
Foto: Tamires Kopp
Formado em Psicologia, fez a própria tese de doutoramento com ninguém menos que Jean Piaget. "O título era A Resposta Instrumental como Resolução de Problemas. Pura teoria", lembra Vergnaud. De lá para cá, passou a se dedicar cada vez mais aos aspectos práticos - a didática da disciplina.
Sua descoberta mais importante é a chamada Teoria dos Campos Conceituais, que ajuda a entender como as crianças constroem os conhecimentos matemáticos. "Infelizmente, na Educação, não temos o hábito de levar o resultado das pesquisas para dentro da sala de aula, como fazem regularmente médicos e outros cientistas, e isso é uma perda muito grande para nós", diz. Em outubro, ele vem a São Paulo a convite da Fundação Victor Civita para falar sobre seus estudos durante a Semana de Educação.

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Saiba mais por que é tão importante conhecer os processos de aprendizagem dos alunos na entrevista a seguir, concedida no fim de abril, quando Vergnaud esteve na capital gaúcha para prestar consultoria a professores locais.

O que é, resumidamente, a Teoria dos Campos Conceituais?
"O resultado de muita pesquisa com estudantes, que nos leva a compreender como eles constroem conhecimentos matemáticos. Ela é fundamental para ensinar a disciplina, pois permite prever formas mais eficientes de trabalhar os conteúdos. Na minha palestra, quero mostrar a relação entre essa teoria e a prática escolar. "
É fácil fazer essa transposição para a sala de aula?
"Nem sempre. Mas, se não levamos os resultados das pesquisas para a sala de aula, perdemos muito. Na maioria dos campos da Ciência, existe a percepção de que, se alguém cria uma teoria, isso é bom. Em Educação, essa idéia infelizmente não é tão difundida. Muitos resistem às descobertas por acreditar que basta repetir o que é feito há séculos. "
Como aumentar o interesse dos professores pelas pesquisas didáticas?
"É preciso entender que tudo é muito novo. Há 30 anos, ninguém estudava isso. Aos poucos, foram sendo feitos trabalhos para explicar como a criança aprende. Hoje, quando um pesquisador apresenta resultados que mudam conceitos amplamente difundidos, a primeira reação é de surpresa. Em seguida, alguns falam: "Ah, é interessante". Daí a mudar a prática de sala de aula, leva tempo. A Teoria dos Campos Conceituais está apenas começando a ser utilizada nos cursos de formação.
Mas os ganhos para quem usa esse conhecimento são enormes.
Sem dúvida, porque o professor passa a compreender melhor o que faz em classe. No caso da Matemática, é muito claro que as crianças têm necessidade de assimilar aquilo que pedimos que elas façam. Por isso, temos de propor situações nas quais a soma faça sentido, a subtração faça sentido - e isso vale para a escolha dos dados, não só para as contas. E vale também para o professor. Se ele vê os alunos errar sem entender o percurso que estão trilhando, todo o trabalho se perde, não funciona. "
Como o professor consegue sair do estágio de "entender a teoria" para "usá-la na prática"?
"Só com muita formação. Aqueles que usam bem a Teoria dos Campos Conceituais no dia-a-dia são os que voltaram a ela, testaram coisas com seus alunos, cometeram erros, recomeçaram. Só assim é possível dominar o assunto e se sentir seguro na prática.
"Se o professor vê os alunos errar sem entender o percurso que estão trilhando, o trabalho não funciona." "
Como os professores podem interferir nesse processo?
"Jean Piaget disse que o conhecimento é uma adaptação a situações nas quais é necessário fazer algo. Por isso, se não confrontamos as crianças com situações nas quais elas precisem desenvolver conceitos, ferramentas, limites, elas não têm razão para aprender. Isso vale para a escola, mas também para a vida, para a experiência profissional. Em Matemática, por exemplo, insistimos na chamada resolução de problemas - propor situações que as crianças não sabem resolver para fazer evoluir em seus conhecimentos. Portanto, queremos desestabilizá-las. E se desestabilizarmos demais? Elas também não vão aprender. Portanto, gerenciar o aprendizado é gerenciar ao mesmo tempo a desestabilização e a estabilização. Portanto, temos de pensar mais e propor situações corriqueiras aos que estão aprendendo. Sempre fizemos isso, às vezes de forma intuitiva. O que minha teoria propõe é que precisamos pensar de forma mais sistemática. O grande desafio do professor é ampliar as dificuldades para as crianças, mas sabendo o que está fazendo e aonde quer chegar. "
O senhor pode dar alguns exemplos de como as crianças constroem o conhecimento matemático?
"Aos 5 anos, as crianças já compreendem alguns aspectos da adição. O primeiro modelo que elas aprendem é a reunião de duas partes em um todo: três meninos, quatro meninas, quantas crianças no total? Só mais tarde, porém, elas vão conseguir entender, por exemplo, como saber quantas meninas há no grupo se o total é sete e o número de meninos é três. Na minha pesquisa, descobri que, em média, são dois anos para passar do primeiro estágio para o segundo. Dois Anos! Outro exemplo é a transformação que tem relação com o tempo, não com o espaço. Eu tinha 4 reais no bolso, minha avó chegou e me deu mais 3 reais. Ou: eu tinha 9 reais e agora tenho 4. O que aconteceu? Parece fácil, mas para uma criança não é. Outro caso: tenho 5 reais a mais do que você. Eu tenho 12, quanto você tem? E ainda há as transformações sucessivas. Ganhei quatro bolas de gude e depois perdi seis. Mais quatro, menos seis. Ah, perdi duas. Não é tão óbvio aos 8 ou 9 Anos. Vamos complicar um pouco mais. Joguei duas rodadas de bola de gude. Sei que perdi seis na segunda e que, no total, ganhei 15. O que aconteceu na primeira partida? Até os 13, 14 anos, muitos jovens não conseguem achar o resultado. "Não consigo resolver o problema porque não sei quantas eu tinha no início", eles dizem. "
O que é possível fazer diante de situações desse tipo?
"O que descobri é que há seis tipos de problemas ligados à adição e subtração. E é óbvio que, se os números forem grandes, ou decimais, tudo fica ainda mais complicado. No caso de frações, nem se fala. Na sala de aula, o professor até pode propor atividades, mas, se não souber como os alunos avançam, passo a passo, eles talvez compreendam o jogo proposto, porém não vão saber calcular. Para um adulto, o exercício de subtrair as bolas de gude que ganhou, para saber quantas tinha no início do jogo, pode parecer simples. Mas, aos 7, 8 ou 9 anos, não é nada fácil compreender esse conceito matemático. Mesmo com números pequenos, as crianças costumam ter muitas dificuldades. Se o professor sabe disso e dispõe de uma boa variedade de exercícios para propor, ótimo. Se ele fica numa única atividade, a garotada que não entende a própria proposta do trabalho perde o interesse e nem se preocupa mais em acertar.
A Matemática é difícil de verdade? Por que tanta gente diz não gostar dessa disciplina?
O problema é que a escola valoriza demais os símbolos e pouco a realidade. Os alunos não vêem utilidade naquilo e pensam: "Isso não me interessa. É abstrato e não serve para nada". "
O senhor já esteve no Brasil uma dezena de vezes. É possível comparar a situação daqui com a da França?
"Alguns problemas são semelhantes, ainda que no Brasil o tamanho da rede seja muito maior. A repetência e o analfabetismo, por exemplo, afetam uma proporção muito maior da população. Quando você observa a reprovação na França, no entanto, cai nas mesmas dificuldades daqui: a Língua e a Matemática. O paradoxo é que as crianças aprendem a falar sem dificuldades, mas não aprendem a ler e escrever sem problemas. Isso ocorre porque a função da escrita não é óbvia para as crianças, sobretudo se as famílias não têm o hábito de ler. Se os pais lêem o jornal todo dia, isso faz uma diferença enorme. E aqui há um abismo entre a França, cuja população é muito mais letrada, e o Brasil, onde milhões de alunos chegam à escola sem as noções básicas da estrutura e do funcionamento da língua. Percebo também que muitos professores brasileiros são obrigados a dar aula em mais de uma escola. Na França, as crianças passam o dia todo em classe. Aqui, é um turno só. E há a questão da formação, que também é pior aqui. Não podemos esperar grandes sucessos com professores que são mal formados, trabalham muito e, além de tudo, não são bem pagos na rede pública.
"A questão é que a Educação é considerada custo, não investimento. São os homens que produzem coisas novas, não é o capital."
O que é necessário mudar na dinâmica das escolas atuais?
"Muitas coisas. A Educação é um universo muito complexo e é preciso enxergá-la como um grande sistema. Se o ministro comete erros na definição das políticas, se não existem objetivos claros e se não há recursos adequados para a formação inicial e continuada, é ridículo responsabilizar o educador individualmente. A responsabilidade pelo fracasso é do sistema. A questão principal é que a Educação das crianças e a formação dos adultos são consideradas custo, e não investimento. São os homens que produzem coisas novas, não é o capital. Só que ainda não sabemos calcular que retorno a formação dá sobre esse investimento. "
Qual é o papel da formação docente nesse contexto?
"É primordial, ainda que seja necessário ter consciência de que não existem milagres, que ninguém vai conseguir eliminar todos os problemas de um dia para o outro. Mas, se podemos dar ao professor os meios de conhecer melhor seu trabalho, os limites de sua ação, os obstáculos que vão encontrar e as formas de controlar a evolução das turmas, é absurdo não fazer isso. Eu gosto de uma metáfora da aviação: se não tenho os instrumentos para pilotar, me falta algo essencial para atingir meus objetivos. "
Esses instrumentos, no campo da Educação, são a didática?
"Sim, a didática é a chave do conhecimento escolar hoje. Mas é mais do que isso. Precisamos compreender que existe a didática da Matemática, a da Física, a da História etc. E, dentro da didática da Matemática, a das estruturas aditivas não é a mesma das estruturas multiplicativas. E assim por diante. É essencial tomar consciência dessas especificidades dentro da especificidade de cada disciplina, pois elas têm seu papel. O fato novo dos últimos 30 Anos é dizer: "Prestem atenção nas didáticas da Matemática. A da Educação Física não é igual para o vôlei e o tênis, ainda que exista uma relação entre esses dois esportes". "
E se não fizermos isso?
"O preço a pagar será o fracasso escolar - ao menos para um grupo de estudantes. Alguns aprendem, mesmo se mal ensinados. Porém outros, mesmo se bem ensinados, fracassam quando o professor não domina a didática. Há quem considere isso um problema dos alunos. "Uns são inteligentes e se dão bem, outros não são e não conseguem." Mas o fato é que existe uma margem de manobra muito importante, um papel essencial a ser desempenhado, dentro da sala de aula, pelos professores. Esse avanço é lento, mas percebo que cada vez mais gente fala essa mesma língua. "

Bibliografia
As Ciências da Educação - Eric Plaisance e Gérard Vergnaud - Ed. Loyola
Atividade Humana e Conceituação - Gérard Vergnaud - Geempa
Campo Conceitual da Multiplicação - Gérard Vergnaud - Geempa


Fonte: Revista Escola
Postado por: CT - 11/09/08



Disponível: http://www.universitario.com.br/noticias/noticias_noticia.php?id_noticia=5625

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